Monday, October 7

no meu sonho oiço vozes que chamam pelo meu nome. vozes familiares, vozes já esquecidas, vozes urgentes, chamam, apelam furiosas, desiludidas, sôfregas, "Sónia..!", "Sónia..". recordo o seu timbre, a sua sonoridade, o seu motivo, e fico submersa no meu sonho, arrependida, sozinha. falhei, falhei o número de vozes na minha cabeça e não sei porquê; como.
vozes. torturam-me, na sua repetição surda das mesmas letras, consoante após vogal, como um punhal no meu inconsciente. se ao menos fossem cura ou solução, nem que fossem remedeio.. vão-se embora, deixem-me descansar a alma, deixem-me sonhar com nuvens de algodão doce, em vez de memórias de tempos infantis, de dias inconstantes.
vozes, oiço vozes na minha cabeça e peço-lhes que deixem o desgosto para a aurora, quando a neblina cobre o rosto da vergonha.. vozes, quero sonhar..

Sunday, September 22

e é uma puta de uma vida. tudo um desperdício de viver, a falta de sentir, o desgosto de não estarmos onde queríamos estar, de fazer o que queríamos fazer, de sermos um Eu superior. é exactamente aí que reside o problema, o mundo não somos nós mas uma multidão de culturas, de personalidades, de vivências. a nossa vida deixa de depender somente de nós, há uma data de implicações, escolhas que podem alterar o rumo para algo bom ou para algo horrível de suportar. daí a insatisfação, porque optamos sempre pelo que é melhor para os outros e não para nós; consideramos sempre as opiniões de quem apenas faz parte da nossa história, e damos-lhe demasiada importância. é a nossa natureza, se agirmos de maneira diferente somos julgados egoístas, egocêntricos, frios. não é injusto? temos um tempo limitado para experimentar viver, tomar-lhe o gosto, construir algo com as nossas próprias mãos antes de sucumbirmos à dama de negro, e ainda assim desperdiçamos metade desse mesmo tempo a viver pelos outros e não por nós. é triste. é um desespero..
quero sair daqui, quero ir para outro lugar, quero começar de novo.

Wednesday, September 18

é esta sede que me percorre o corpo, este palpitar surdo que me enche o peito, este arrepio que me faz querer mais, beber mais da luxúria carnal, o desejo constante e interminável, insaciável, viciante.

Tuesday, June 25

há coisas que deviam ser eternas. não materiais, claro, mas sentimentos, pessoas, sensações.. creio que a certeza e o conforto de as ter para sempre seriam um aborrecimento, mas mesmo assim, assistir ao seu fim punge, mata pequenas células do nosso corpo. ou pelo menos assim parece. até pequenos momentos que ficam gravados na nossa memória tal e qual carimbo, se pudéssemos desfrutá-los eternamente.. se o tempo ao menos cessasse naquele milissegundo tão bom e etéreo..
oh, mas é tão mais complicado do que isso.

Thursday, June 20

não, não creio em mim. em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas! eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? não, nem em mim.. em quantas mansardas e não-mansardas do mundo não estão nesta hora génios para si mesmos sonhando? quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, e quem sabe se realizáveis, nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? o mundo é para quem nasce para o conquistar e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. tenho sonhado mais que o que napoleão fez, tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que cristo, tenho feito filosofias em segredo que nenhum kant escreveu. mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, ainda que não more nela serei sempre o que não nasceu para isso, serei sempre só o que tinha qualidades, serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta e cantou a cantiga do infinito numa capoeira,  e ouviu a voz de deus num poço tapado.  
crer em mim? não, nem em nada.  

Friday, May 10

é tempo de concluir que não há volta a dar. tempo de esquecer o futuro em vão, de esconder o passado num cofre a sete chaves e afundá-lo no mar. doí menos, já se sofre demasiado nestes dias atirados ao azar e ao infortúnio . vou cantarolando melodias alegres, de romantismo e juventude, mas no fundo amargurada, presa no destino que parece que jamais possa ser mudado. no fundo envelhecida, de pensamentos mórbidos e de decisões mecânicas. quero luar, quero vislumbrar as estrelas numa noite menos escura, menos encoberta pelo negrume das nuvens, pela agonia que tinge o céu.. sinto-me tão impotente. normalmente falo em terceira pessoa, porque considero que não sou a única neste mundo sufocante. mas hoje sinto-me só, sinto-me invadida por tristeza e por um sentimento de derrota. bem sei que amanhã será melhor, ou se não for amanhã, outro dia qualquer.. mas há dias assim, dias negros, cobertos de profundo e sincero desespero. 
há dias de inquietação.