Sunday, October 24

Era uma vez.

Era uma vez alguém. Um alguém que ansiava sempre tanto, e que assistia a tão pouco. Vivia reservado num universo onde persistia o heliocentrismo; o centro que era ele próprio. Não ouvia ninguém, porque, já ninguém sequer se dava ao trabalho de falar. Ouvia apenas trémulas vozes; as suas. Era uma vez um alguém que recorria a moralismos de ideias feitas, para provar o certo que estava errado a olhos de todos, que forçava a entrada, quando as portas estavam fechadas a cadeado. Um alguém que se considerava dono da sua própria vida, que esborrachava moscas e mosquitos, quando na realidade a sua vida era partilhada em revistas pornográficas, e o único mosquito esborrachado havia sido ele. Era uma vez um alguém que não era ninguém. Um alguém que fora suprimido da vida de muitos, e que persistia em entrar de novo, a derrubar os porteiros e a machadar o cadeado. Existe sempre um desses, por isso é que trago o mata-moscas comigo.

"Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vómito para aliviar a vontade de vomitar."

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